Act of a demon or the work of god

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Morte em 5 atos

Talvez isso seja um pesadelo ou mesmo uma simples brincadeira. Sair de casa e ser condenado a morte por um completo estranho é algo que não ocorre todos os dias e, com certeza, algo que não pode ocorrer comigo. Acabei de discutir com ela, não posso deixar as coisas como estão preso como estou agora me fez refletir sobre o quão idiota foi o motivo da discussão. Não, isso não pode estar acontecendo, não hoje, não comigo. Talvez ela queira pregar uma peça em mim. Já devia saber que íamos brigar, ela já tinha preparado todo o cenário, mas será que ela pensa que eu vou chegar em casa perdoando tudo? Haha, não sabendo que isso tudo era uma trama sua, não mesmo.
Ele apenas disse que estava no lugar certo e na hora certa para ele. “Hoje é o dia” foi o que ele disse e eu não soube ao certo como reagir quando perguntei ao que ele se referida e, com uma voz suave e um leve sorriso em seu rosto disse que era o dia da minha morte. “Tsc. Um motorista bêbado me raptou” foi a primeira idéia que veio a minha mente e era a que eu queria que continuasse ecoando lá e que fosse a mais pura verdade.
Como fui parar nesse maldito carro?! Não posso simplesmente ter saído de casa e parado aqui, mas é a única coisa que eu me lembro: estar a dois quarteirões de distancia e aparecer aqui. As travas não se abrem, meu cinto foi preso com fita isolante e minhas pernas parecem presas a parte de baixo do banco. Aquele maldito já havia planejado tudo, tudo! “Bater não te ajudará em nada”, essas palavras dele não me importavam, eu apenas queria bater naquele maldito vidro, fazê-lo bater em alguma árvore, só queria ter alguma coisa para cortar a garganta desse filho da puta. Eu tinha que fazer alguma coisa, essa merda não podia continuar, esse desgraçado não pode simpl...
 “Espero que tenha acordado mais calmo”. Minha cabeça ainda doía, mas pude entendê-lo claramente. Sair batendo para todos os lados com certeza não me ajudaria a sair daquele carro e acho que o momento me fez esquecer do fato mais obvio: “quanto você quer?” . Ele sabe deve saber onde eu moro, afinal, foi lá perto onde ele me encontrou, ele viu que eu tenho dinheiro, provavelmente também sabe que tenho filhas e uma mulher, ele sabe muito bem que eu ofereceria tudo para poder voltar para elas, cuidar delas. “Quanto você quer?!”, tive de repetir mais umas três vezes até obter a resposta até que: “já parou para pensar que algumas pessoas simplesmente gostam de matar?”.
“Mas e minha esposa? E minhas filhas?”, “Eu estava passando pela porta da sua casa, dava para ouvir os berros, acho que ela vai estar bem melhor sem você, não concorda?”.
Ficar furioso já não adiantaria em nada, gritar não adiantaria em nada. Estava evidente: toda minha vida, toda minha família, tudo que amei... é assim que as coisas acabam no final de tudo? Com certeza ninguém vai me procurar, minha esposa já deve ter saído de casa, disse que ia ficar com a mãe até que eu pudesse enxergar as idiotices que estava fazendo. Acho que não tive tempo para isso não é mesmo? Tudo que resta agora é esperar essa agonia passar.
Hoje, tudo que mais valorizamos é o dinheiro. Os valores mais importantes parecem já ter sumido a muito tempo. Talvez o último que ainda carregamos seja o amor, mas quando devemos escolher entre um ou outro... somos apenas idiotas buscando por futilidades o tempo todo, amar as pessoas, os lugares não tomados por prédios aos montes e os sons turbulentos das cidades é algo aparentemente impossível. Busquei por amor e o encontrei, mas não soube conservá-lo. Fiz apenas como todo o resto: busquei o que parecia mais importante. Sem saber busquei por solidão, contribui com doses de sentimento de abandono para minha família deixei uma pitada de tristeza e ódio nos olhos da minha mulher e fui fadigado a uma morte onde ninguém estava por perto para me confortar, no meu caso, nem mesmo uma dose de morfina. Bem, não posso fugir do que busquei. Não previ que tudo acabaria dessa maneira, mas foi assim.
Estava então fora do carro, num bosque escuro. Ele me perguntou se eu gostaria de uma facada ou uma bala. Pedi para me deixar escrever uma carta pedindo por perdão a todos que magoei. “Essa não foi uma das opções”, “Que seja rápido então...”. O som de um disparo; o barulho dos pássaros voando das árvores foi a ultima coisa que ouvi.